sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Desafio do Hércules - Por João Elias




Abaixo segue o relato de um traceur chamado João Elias de João Pessoa - PB sobre o Desafio do Hércules. Espero que esse texto lhe inspire, como me inspirou.

Dica: Leia esse relato escutando essa trilha sonora. Fiz isso, e ficou muito mais épico (https://www.youtube.com/watch?v=qPKo2q0PIQk). Boa leitura

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           Alerto aqui que esse texto é um desabafo! Um momento pessoal vivido por mim, uma crítica ao sistema, uma crítica a tudo que vivenciei. Então se você está lendo isso e se sentir ofendido com qualquer coisa que for dita aqui, peço desculpas, mas precisava ser dito.
Esta experiência se passa numa cidade pequena chamada Diamante, interior da Paraíba. Antigamente foi criado um desafio por um dos integrantes do Parkour Recife, chama-se “Desafio do Hércules”, uma brincadeira séria entre os praticantes que mexe com seu psicológico, trata-se de exercícios árduos, um tipo de treino intenso de longa duração com 12 tópicos de exercícios diferentes que aparentam nunca ter fim. Nós do Parkour de João Pessoa, faríamos o Desafio Hércules antes do ano acabar e combinamos em realizar todos no dia 28, mas acontece que eu passei as férias no interior então dentre eles eu fui o único que completei o sozinho, tive vários problemas em decorrência de não estar num local tão apropriado e entre outros tópicos, só consegui realizar o desafio no dia 31.

O dia 31 foi desanimador, eu acordei completamente desmotivado, completamente inseguro sobre o desafio, eu até pensei em não fazer, o ano já iria acabar mesmo, minha vida pessoal principalmente estava me atrapalhando muito, eu não me sentia bem, a harmonia entre eu e o meu eu interior estava completamente afetada por coisas e por pessoas que talvez nem compreendam o real significado disso. Pessoas que passam tanto tempo na sua bolha social, que desvalorizam pessoas que as amam por coisas imbecis como o dinheiro, pessoas que simplesmente dizem ser boas, que querem mostrar para os outros isso mas na prática quando ninguém está olhando te deixam sozinho. O simples fato de manter o ego lá em cima com pensamentos do tipo: "Por que me preocupar se ele sempre está aqui pra mim? Para que conversar, se amanhã ele vai aparecer sorridente do mesmo jeito? Porque eu daria o mínimo de atenção a dor que ele está sentindo se amanhã ele vai ter esquecido tudo e vai falar comigo? Por que perguntar se ele está bem, se ele é sempre tão sorridente?". Essas coisas me entristeceram profundamente todo o ano de 2018, e como na maioria dos dias de 2018, no dia 31 acordei profundamente desanimado comigo mesmo, quando eu já tinha praticamente decidido não fazer o Desafio, algo que eu seria tão honrado em realizar, estaria indo por água a baixo. Por que fazer algo assim tão intenso se amanhã eu vou acordar exatamente da mesma forma que hoje? Nada vai mudar mesmo! Por que eu tenho me esforçado tanto por algo se todo esforço que ponho em jogo não é reconhecido por ninguém, nem mesmo por aqueles que eu acredito gostarem de mim?

Sabe, eu não tinha nenhum motivo para realizar o desafio, mas eu tinha dito para meu primo Davi que iria filmar com antecedência com ele, me perguntou se eu iria mesmo gravar. Nessa hora eu me recordo de ter pensado comigo mesmo: "E aí, vai? Lembre-se da sua palavra, lembre-se que você disse que iria fazer, vai ser covarde agora? Vai fugir do que você disse que iria fazer? Se sim, você não é diferente de todas as pessoas que fugiram e desistiram de você". Ainda não muito confiante, disse para mim mesmo que realizaria o desafio, o mais engraçado é que tudo que me desanimou durante o ano todo, foi exatamente o que me animou a realizar o desafio.

Na primeira das 12 etapas do desafio, deveriam ser cumpridos 10 tiros de 100m, escolhi em fazer na própria rodovia da cidade, único local favorável em linha reta. Por volta do quarto tiro, pessoas que passaram pela estrada mandavam diversas mensagens, motivadoras do tipo: "Vamo po, dá o gás neguin, acelera" até mensagens do tipo: "Tá treinando pra ser doido? Vão dizer que tu é doido", naquele momento eu pensei em desistir, em ir pra casa deitar e chorar, e nunca mais me deixar sentir dessa forma, parar, acabar com isso tudo, mas depois lembrei do que meu amigo Andrey tinha me dito: "Eles não sabem do seu valor, eles não sabem das suas lutas, não conhecem sua essência, mantenha a sua essência!" Naquele rápido momento eu percebi que sempre estive sozinho, e que sempre vai ser assim, ninguém vai estar lá quando eu precisar, ninguém vai me dar a mão quando eu estiver no chão, assim eu levantei e terminei os tiros, mesmo estando triste.


Tive que caminhar até a outra ponta da cidade onde tinham barras fixas para eu poder prosseguir o desafio, estavam em vista a segunda e a terceira etapa, 100 agachamentos completos e em seguida 90 barras (Pull Up). Já eram quase 17:00, começamos os tiros exatamente de 16:00 horas, tinha passado 1 hora e eu realmente duvidava muito que fosse conseguir fazer tudo, lembro de fechar os olhos e pensar: "Esqueça, isso é maior do que você, do que o que os outros pensam, não se torne apenas mais um que se deixa influenciar pelo o que as pessoas pensam", depois de ter pensado isso me senti incrivelmente bem, sabe? Pela primeira vez me senti bem comigo mesmo, me senti capaz, comecei a acreditar que eu não era tão fraco, que eu não era insignificante, que eu poderia seguir em frente por mim mesmo, porque só eu sabia de tudo que tinha passado e pela primeira vez me apoiei em algo, me senti amigo de mim mesmo, completamente em harmonia e segui os desafios com os agachamentos.

Fiz até mais rápido do que imaginei, depois as barras, essas de 5 em 5 até completar as 90, quando terminei pensei: "Caralho, eu fiz 90 barras? Puta que pariu eu consigo terminar isso! Não se afobe, respire, relaxe, você pode fazer isso, mas vá com calma", vocês percebem essa dualidade? Minha emoção me dizia para terminar rápido, minha razão me dizia para ser calmo e continuar sem pressa, minha experiência com esse tipo de treino me fez escolher seguir a razão, sentem a harmonia nisso? Eu senti.


 

Então segui com as precisões, quarta etapa, que não foram tão difíceis porque ultimamente estava sempre fazendo 100 precisões em meus treinos comuns. Nessa etapa só precisava fazer 80 corretamente e seguir, errei algumas mas consegui realizar todas como diziam as regras do desafio, naquele momento minha emoção falava alto e eu sempre perguntando a hora, mesmo que eu já tivesse seguido a razão, eu estava muito ansioso em terminar tudo.

Chegou a hora das flexões, nessa quinta etapa já eram umas 18:30, estava exausto, mas mesmo assim fui insistente, eram 70 então fiz 4 séries de 15 flexões depois fiz mais 1 série de 10, os braços já davam sinais de falha, tremiam nas últimas flexões, mas terminei, descansei um pouco e segui para o Jump Box.

Sexta etapa, 60 saltos para cima. Ainda tinha em mente aqueles comentários e me perguntava em todos os segundos para que porra eu estava fazendo aquilo? As pessoas passavam e me encaravam, eu realmente me senti um louco, ainda assim respirei fundo mais uma vez. Eu era maior que todas elas, que toda aquela situação, fechei os olhos e fiz vagarosamente de 5 em 5 os 60 pulos, tinha um pouco mais de 1 metro de altura, quando terminei, descansei um pouco e não acreditava, eu estava na metade do desafio, deitei exausto, eu não queria demonstrar mas eu pensava em desistir todo o momento, eu estava sendo destruído de dentro para fora, estava completamente quebrado de todas as formas, respirei fundo mais uma vez, dessa vez, ao invés de pensar, falei em voz alta, "mantenha sua essência". Minhas costas ficaram marcadas com a poeira que tinha em cima do banco, comi alguns biscoitos, afinal, qualquer glicose nesse momento seria útil. Bebi água e comecei a fazer os abdominais.

Estava na sétima etapa, 50 abdominais. Fiz primeiro 25, para esquecer toda aquela confusão na minha cabeça, comecei a sentir câimbras no abdômen e nas pernas, vagarosamente como de praxe, fui fazendo os abdominais até completar.

Não chorei por fora, mas eu estava completamente destruído por dentro e não sabia mais o que pensar, era como se tivesse passado um furacão e varrido tudo dentro de mim, todas as tristezas, todos os desencantos, todas as frustrações e as mágoas, tudo, eu me senti outra pessoa, senti que a partir dali eu deveria ser outra pessoa, não poderia mais ser o mesmo, fechei os olhos e pensei no orgulho que seria se eu conseguisse terminar o desafio, eu sou magro, sou fraco, normalmente atraso os treinos físicos com meus amigos e seria indescritível e inspirador pra mim mesmo de todas as formas, terminar aquilo, eu conseguiria espalhar a mensagem que nada era impossível se você acreditasse o suficiente que aquilo era possível, pensei na esperança que eu poderia espalhar como fogo se eu conseguisse realizar aquilo, naquele momento eu me construí de novo, não tinha certeza se iria conseguir realizar os Climbs (subida completa no muro, parado) que viriam na próxima etapa.

 Oitava etapa, 40 Burpees, concluído com sucesso, divido em séries. A nona etapa seriam os temidos Climbs, os fiz vagarosamente de 1 em 1, até completar 30, meus braços estavam trêmulos, mas a mensagem que eu poderia passar com aquilo já era maior que tudo, já nem me importava mais com as pessoas, as coisas ruins que fizeram ou que disseram, tudo que eu deveria fazer era seguir em frente, era claro como o sol ao meio dia, mais uma vez bebi água e fui aos planches.

 Décima etapa, 20 planches/muscle ups (subida completa na barra), de 1 em 1, mais uma vez até completar os 20, já eram 20:00 horas, comecei a acreditar verdadeiramente naquilo, me senti forte para caralho pela primeira vez na vida, mesmo não tendo o físico de uma pessoa forte, comecei a me ajeitar de mil formas para tentar fazer as flexões de cabeça pra baixo.

Décima primeira e penúltima etapa, 10 flexões de cabeça para baixo. Encontrei um jeito que conseguisse fazer, eu mal conseguia descer, já era claro que eu não aguentava mais, evidente que eu estava muito além do meu limite, mas descia o máximo que eu conseguia e retornava de 1 em 1 até completar os 10 necessários, quando terminei meu coração estava explodindo, eu não sentia mais meus braços, tinha dor por todo o corpo.


Mas ainda faltava 1 km de quadrupedal, décima segunda e última etapa do Desafio Hércules. Juro que eu não aguentava nem ficar em pé mais, os bêbados que antes me desmotivavam do outro lado da rua já estavam assustados, gritavam perguntando do que eu era feito, se eu não cansava, eu me sentia um herói 20:40 da noite, eu ainda conseguia respirar, eu já tinha me tornado outra pessoa a muito tempo. Medi uma distância de dez metros que tinha de um lado da academia, tinha que percorrê-la 100 vezes para completar 1 km, então eu ia e voltava e contava 1 vez apenas para parecer menos repetições. Assim eu só teria que ir e voltar 50 vezes, de 20:40 até as 22:10 de 20 em 20 metros consegui terminar 1 km, com os bêbados me olhando, dessa vez com admiração, tive orgulho de tudo que eu tinha feito, mesmo diante de toda a dor que eu estava sentindo eu consegui com esforço e sacrifício. No dia 31 de dezembro de 2018, faltando menos de 2 horas para 2019 chegar, eu concluí um dos desafios mais importantes da minha vida.

Eu finalmente tinha a resposta para pergunta que me fizeram no início, "Por que você fez isso?" Pela esperança, pelo recomeço, para provar a mim mesmo que sou capaz de conseguir qualquer coisa se eu acreditar, por coisas que eu nem sabia como o fato de eu descobrir que eu não preciso de ninguém para seguir em frente, que eu sou forte mesmo sendo fraco, que ninguém pode me impedir de conquistar algo se eu tiver esforço o bastante. 


Gostaria de concluir todo esse texto, agradecendo a meu primo Davi, que foi buscar água várias vezes para mim, mesmo já estando tarde da noite, me acompanhou e me incentivou de perto, agradecer também a JamParkour, pelo acolhimento e pela mudança significativa na minha vida. Agradecer a Maria Rita que sempre me ajudou em momentos difíceis e para Andrey, por também ter me encorajado muito. Quero finalizar dizendo para você leitor, que nunca deixe de fazer algo porque as pessoas dizem que você é louco ou que você não é capaz, que você é fraco, você é maior do que qualquer pessoa que te põe pra baixo, que te desmotiva, não seja como eles, não se desmotive, não se ponha pra baixo, tudo é possível se você acreditar, você é maior do que qualquer dificuldade que esteja passando, não desista de todos os seus sonhos e objetivos por pessoas que não valem suas lágrimas, seja sua própria força, crie em você o seu herói!



Escrito por João Elias 02/01/2019
Edição: Andrey Peixoto, seu amigo 02/01/2019
Imagens: Davi, seu primo 31/12/2018

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