domingo, 20 de março de 2016

Eu e o Movimento



Por Andrey Peixoto

                                       


Era uma hora da manhã de um domingo e eu sempre vou relembrar isso! Estava deitado na cama com o psicológico abatido, por alguns motivos pessoais que não vem ao caso nesse momento. Lembrei que o Parkour sempre me ajudou nisso, sempre me trouxe boas sensações para que eu mudasse o ânimo. Não pensei duas vezes: coloquei uma camisa, um tênis e fui até a uma praça que fica perto de minha casa.





A praça estava muito mais vazia do que normalmente costumava estar, afinal já era de madrugada. Ao final dela tem um balanço construído com muros e ao seu lado tem uma outra construção com várias barras, também com muros. Eu olhava para aqueles dois brinquedos, um amarelo e um azul, quando veio a cabeça algo que jamais pensaria em fazer, um CatLeap, movimento do Parkour que se caracteriza basicamente por saltar de um local para outro usando as mãos e os pés para absorver o impacto e segurar-se. Era um movimento consideravelmente difícil para mim, que nunca o tinha feito naquela intensidade e almejava ultrapassar um limite, que claramente era mental.

Eu estava só para aquele movimento, não tinha um amigo me dizendo o que fazer ou alguém para me segurar. Me observavam um bêbado, gritando que eu ia cair ("chama o Samu!"), algumas pessoas sentadas ao redor de uma mesa a uns 20 metros e uns três garotinhos perguntando se eu já pulei de um prédio. Resolvi então ir aos poucos e fui repetindo um movimento semelhante, mas menos intenso; fiz aquilo até meu corpo ficar quente suficiente para realizar o CatLeap. Meus pensamentos negativos se esvaziaram, o pessoal da mesa aparentemente sabia o que eu queria fazer. Por um momento achei que estavam me olhando como um louco, mas acredito que cada um acha uma maneira para se desligar do monótono, dos estresses do dia a dia; todos buscam uma fuga e eu não era diferente daquele pessoal, assim como eles eu também buscava um alívio, um escape. Não é uma questão de ser saudável ou não, a questão é concentrar no que te faz bem psicologicamente, naquilo que você precisa. 


                                          (Cena do filme A Travessia)
Foram 40 minutos marcados no relógio de pura concentração, um estado de transe e atenção ao mesmo tempo. O barulho do bêbado gritando eu já não ouvia, a pressão em saber que pessoas da mesa estavam aguardando algo também já não era presente, ali éramos só eu e o muro. A distância entre os brinquedos, a altura, o atrito da mão e do pé ao chegar até a parte final do movimento, tudo estava favorável, tinha conferido mais de 12 vezes. O que me incomodava era a inclinação dos muros, pois não eram paralelos de fato; além da questão de eu estar sozinho àquela hora da noite, isso também pesava. Fiquei lembrando o que meus amigos poderiam estar dizendo, "usa a mão mais forte", " salta leve mas seguro" ! O lado bom de treinar sem nenhuma companhia é que você tende a ser mais cauteloso e detalhista, porque sabe que não vai ter alguém para te ajudar ou te socorrer em uma situação de emergência. Ali, eu precisava ser maior que o muro, mais bruto e mais forte que ele. Minha mente tinha que estar 100% confiante. Tive que refletir até juntar todas essas informações. Eu não ia errar, ainda consigo ter a mesma sensação daquele momento! 

Depois de realizar o primeiro salto, já tinha total certeza de que iria conseguir chegar até o fim e absorver o impacto, já me imaginava terminando o CatLeap. Apoiei os pés, em seguida as mãos... Tranquilo. Lá estava eu: agarrado ao muro, totalmente parado, sensação de vitória. O muro azul estava me sustentando. Eu tinha terminado, o movimento estava concluído. Ainda assim eu continuava lá, sorrindo sozinho, a sensação era indescritível e maravilhosa. Climbei ( subi no muro ) e agora só se ouviam aplausos. O bêbado? É, nem sei mais onde ele estava. Os aplausos também não foram levados em conta. Eu estava feliz apenas pelo fato de ter esquecido por completo as coisas que me deixaram cabisbaixo aquela noite e por ter desbloqueado mais um medo que eu tinha. Era um limite ultrapassado! Agora eu podia ir para casa com a mente vazia e relaxada.

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