Abaixo segue o relato de um traceur chamado João Elias de João Pessoa - PB sobre o Desafio do Hércules. Espero que esse texto lhe inspire, como me inspirou.
Dica: Leia esse relato escutando essa trilha sonora. Fiz isso, e ficou muito mais épico (https://www.youtube.com/watch?v=qPKo2q0PIQk). Boa leitura
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Dica: Leia esse relato escutando essa trilha sonora. Fiz isso, e ficou muito mais épico (https://www.youtube.com/watch?v=qPKo2q0PIQk). Boa leitura
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Alerto aqui que esse texto é um desabafo! Um momento pessoal vivido por mim, uma crítica ao sistema, uma crítica a tudo que vivenciei. Então se você está lendo isso e se sentir ofendido com qualquer coisa que for dita aqui, peço desculpas, mas precisava ser dito.
Esta experiência se passa numa cidade
pequena chamada Diamante, interior da Paraíba. Antigamente foi criado um
desafio por um dos integrantes do Parkour Recife, chama-se “Desafio do Hércules”,
uma brincadeira séria entre os praticantes que mexe com seu psicológico,
trata-se de exercícios árduos, um tipo de treino intenso de longa duração com
12 tópicos de exercícios diferentes que aparentam nunca ter fim. Nós do Parkour
de João Pessoa, faríamos o Desafio Hércules antes do ano acabar e combinamos em
realizar todos no dia 28, mas acontece que eu passei as férias no interior
então dentre eles eu fui o único que completei o sozinho, tive vários problemas
em decorrência de não estar num local tão apropriado e entre outros tópicos, só
consegui realizar o desafio no dia 31.
O dia 31 foi desanimador, eu acordei
completamente desmotivado, completamente inseguro sobre o desafio, eu até
pensei em não fazer, o ano já iria acabar mesmo, minha vida pessoal
principalmente estava me atrapalhando muito, eu não me sentia bem, a harmonia
entre eu e o meu eu interior estava completamente afetada por coisas e por
pessoas que talvez nem compreendam o real significado disso. Pessoas que passam
tanto tempo na sua bolha social, que desvalorizam pessoas que as amam por
coisas imbecis como o dinheiro, pessoas que simplesmente dizem ser boas, que
querem mostrar para os outros isso mas na prática quando ninguém está olhando
te deixam sozinho. O simples fato de manter o ego lá em cima com pensamentos do
tipo: "Por que me preocupar se ele sempre está aqui pra mim? Para que
conversar, se amanhã ele vai aparecer sorridente do mesmo jeito? Porque eu
daria o mínimo de atenção a dor que ele está sentindo se amanhã ele vai ter
esquecido tudo e vai falar comigo? Por que perguntar se ele está bem, se ele é
sempre tão sorridente?". Essas coisas me entristeceram profundamente todo
o ano de 2018, e como na maioria dos dias de 2018, no dia 31 acordei
profundamente desanimado comigo mesmo, quando eu já tinha praticamente decidido
não fazer o Desafio, algo que eu seria tão honrado em realizar, estaria indo
por água a baixo. Por que fazer algo assim tão intenso se amanhã eu vou acordar
exatamente da mesma forma que hoje? Nada vai mudar mesmo! Por que eu tenho me
esforçado tanto por algo se todo esforço que ponho em jogo não é reconhecido
por ninguém, nem mesmo por aqueles que eu acredito gostarem de mim?
Sabe, eu não tinha nenhum motivo para
realizar o desafio, mas eu tinha dito para meu primo Davi que iria filmar com
antecedência com ele, me perguntou se eu iria mesmo gravar. Nessa hora eu me
recordo de ter pensado comigo mesmo: "E aí, vai? Lembre-se da sua palavra,
lembre-se que você disse que iria fazer, vai ser covarde agora? Vai fugir do
que você disse que iria fazer? Se sim, você não é diferente de todas as pessoas
que fugiram e desistiram de você". Ainda não muito confiante, disse para
mim mesmo que realizaria o desafio, o mais engraçado é que tudo que me
desanimou durante o ano todo, foi exatamente o que me animou a realizar o
desafio.
Na primeira das 12 etapas do desafio,
deveriam ser cumpridos 10 tiros de 100m, escolhi em fazer na própria rodovia da
cidade, único local favorável em linha reta. Por volta do quarto tiro, pessoas
que passaram pela estrada mandavam diversas mensagens, motivadoras do tipo:
"Vamo po, dá o gás neguin, acelera" até mensagens do tipo: "Tá
treinando pra ser doido? Vão dizer que tu é doido", naquele momento eu
pensei em desistir, em ir pra casa deitar e chorar, e nunca mais me deixar
sentir dessa forma, parar, acabar com isso tudo, mas depois lembrei do que meu
amigo Andrey tinha me dito: "Eles não sabem do seu valor, eles não sabem
das suas lutas, não conhecem sua essência, mantenha a sua essência!"
Naquele rápido momento eu percebi que sempre estive sozinho, e que sempre vai
ser assim, ninguém vai estar lá quando eu precisar, ninguém vai me dar a mão
quando eu estiver no chão, assim eu levantei e terminei os tiros, mesmo estando
triste.
Tive que caminhar até a outra ponta
da cidade onde tinham barras fixas para eu poder prosseguir o desafio, estavam
em vista a segunda e a terceira etapa, 100 agachamentos completos e em seguida
90 barras (Pull Up). Já eram quase 17:00, começamos os tiros exatamente de
16:00 horas, tinha passado 1 hora e eu realmente duvidava muito que fosse
conseguir fazer tudo, lembro de fechar os olhos e pensar: "Esqueça, isso é
maior do que você, do que o que os outros pensam, não se torne apenas mais um
que se deixa influenciar pelo o que as pessoas pensam", depois de ter
pensado isso me senti incrivelmente bem, sabe? Pela primeira vez me senti bem
comigo mesmo, me senti capaz, comecei a acreditar que eu não era tão fraco, que
eu não era insignificante, que eu poderia seguir em frente por mim mesmo,
porque só eu sabia de tudo que tinha passado e pela primeira vez me apoiei em
algo, me senti amigo de mim mesmo, completamente em harmonia e segui os
desafios com os agachamentos.
Fiz até mais rápido do que imaginei,
depois as barras, essas de 5 em 5 até completar as 90, quando terminei pensei:
"Caralho, eu fiz 90 barras? Puta que pariu eu consigo terminar isso! Não
se afobe, respire, relaxe, você pode fazer isso, mas vá com calma", vocês
percebem essa dualidade? Minha emoção me dizia para terminar rápido, minha
razão me dizia para ser calmo e continuar sem pressa, minha experiência com
esse tipo de treino me fez escolher seguir a razão, sentem a harmonia nisso? Eu
senti.
Então segui com as precisões, quarta
etapa, que não foram tão difíceis porque ultimamente estava sempre fazendo 100
precisões em meus treinos comuns. Nessa etapa só precisava fazer 80
corretamente e seguir, errei algumas mas consegui realizar todas como diziam as
regras do desafio, naquele momento minha emoção falava alto e eu sempre
perguntando a hora, mesmo que eu já tivesse seguido a razão, eu estava muito
ansioso em terminar tudo.
Chegou a hora das flexões, nessa
quinta etapa já eram umas 18:30, estava exausto, mas mesmo assim fui
insistente, eram 70 então fiz 4 séries de 15 flexões depois fiz mais 1 série de
10, os braços já davam sinais de falha, tremiam nas últimas flexões, mas
terminei, descansei um pouco e segui para o Jump Box.
Sexta etapa, 60 saltos para cima.
Ainda tinha em mente aqueles comentários e me perguntava em todos os segundos
para que porra eu estava fazendo aquilo? As pessoas passavam e me encaravam, eu
realmente me senti um louco, ainda assim respirei fundo mais uma vez. Eu era
maior que todas elas, que toda aquela situação, fechei os olhos e fiz
vagarosamente de 5 em 5 os 60 pulos, tinha um pouco mais de 1 metro de altura,
quando terminei, descansei um pouco e não acreditava, eu estava na metade do
desafio, deitei exausto, eu não queria demonstrar mas eu pensava em desistir
todo o momento, eu estava sendo destruído de dentro para fora, estava
completamente quebrado de todas as formas, respirei fundo mais uma vez, dessa
vez, ao invés de pensar, falei em voz alta, "mantenha sua essência".
Minhas costas ficaram marcadas com a poeira que tinha em cima do banco, comi
alguns biscoitos, afinal, qualquer glicose nesse momento seria útil. Bebi água
e comecei a fazer os abdominais.
Estava na sétima etapa, 50
abdominais. Fiz primeiro 25, para esquecer toda aquela confusão na minha
cabeça, comecei a sentir câimbras no abdômen e nas pernas, vagarosamente como
de praxe, fui fazendo os abdominais até completar.
Não chorei por fora, mas eu estava
completamente destruído por dentro e não sabia mais o que pensar, era como se
tivesse passado um furacão e varrido tudo dentro de mim, todas as tristezas,
todos os desencantos, todas as frustrações e as mágoas, tudo, eu me senti outra
pessoa, senti que a partir dali eu deveria ser outra pessoa, não poderia mais
ser o mesmo, fechei os olhos e pensei no orgulho que seria se eu conseguisse
terminar o desafio, eu sou magro, sou fraco, normalmente atraso os treinos
físicos com meus amigos e seria indescritível e inspirador pra mim mesmo de
todas as formas, terminar aquilo, eu conseguiria espalhar a mensagem que nada
era impossível se você acreditasse o suficiente que aquilo era possível, pensei
na esperança que eu poderia espalhar como fogo se eu conseguisse realizar
aquilo, naquele momento eu me construí de novo, não tinha certeza se iria
conseguir realizar os Climbs (subida completa no muro, parado) que viriam na
próxima etapa.
Oitava etapa, 40 Burpees, concluído com
sucesso, divido em séries. A nona etapa seriam os temidos Climbs, os fiz
vagarosamente de 1 em 1, até completar 30, meus braços estavam trêmulos, mas a
mensagem que eu poderia passar com aquilo já era maior que tudo, já nem me
importava mais com as pessoas, as coisas ruins que fizeram ou que disseram,
tudo que eu deveria fazer era seguir em frente, era claro como o sol ao meio
dia, mais uma vez bebi água e fui aos planches.
Décima etapa, 20 planches/muscle ups (subida
completa na barra), de 1 em 1, mais uma vez até completar os 20, já eram 20:00
horas, comecei a acreditar verdadeiramente naquilo, me senti forte para caralho
pela primeira vez na vida, mesmo não tendo o físico de uma pessoa forte,
comecei a me ajeitar de mil formas para tentar fazer as flexões de cabeça pra
baixo.
Décima primeira e penúltima etapa, 10
flexões de cabeça para baixo. Encontrei um jeito que conseguisse fazer, eu mal
conseguia descer, já era claro que eu não aguentava mais, evidente que eu
estava muito além do meu limite, mas descia o máximo que eu conseguia e
retornava de 1 em 1 até completar os 10 necessários, quando terminei meu
coração estava explodindo, eu não sentia mais meus braços, tinha dor por todo o
corpo.
Eu finalmente tinha a resposta para
pergunta que me fizeram no início, "Por que você fez isso?" Pela
esperança, pelo recomeço, para provar a mim mesmo que sou capaz de conseguir
qualquer coisa se eu acreditar, por coisas que eu nem sabia como o fato de eu
descobrir que eu não preciso de ninguém para seguir em frente, que eu sou forte
mesmo sendo fraco, que ninguém pode me impedir de conquistar algo se eu tiver
esforço o bastante.
Gostaria de concluir todo esse texto,
agradecendo a meu primo Davi, que foi buscar água várias vezes para mim, mesmo
já estando tarde da noite, me acompanhou e me incentivou de perto, agradecer
também a JamParkour, pelo acolhimento e pela mudança significativa na minha
vida. Agradecer a Maria Rita que sempre me ajudou em momentos difíceis e para
Andrey, por também ter me encorajado muito. Quero finalizar dizendo para você
leitor, que nunca deixe de fazer algo porque as pessoas dizem que você é louco
ou que você não é capaz, que você é fraco, você é maior do que qualquer pessoa
que te põe pra baixo, que te desmotiva, não seja como eles, não se desmotive,
não se ponha pra baixo, tudo é possível se você acreditar, você é maior do que
qualquer dificuldade que esteja passando, não desista de todos os seus sonhos e
objetivos por pessoas que não valem suas lágrimas, seja sua própria força, crie
em você o seu herói!
Edição: Andrey Peixoto, seu amigo 02/01/2019
Imagens: Davi, seu primo 31/12/2018